Passagem de fauna: parceria entre bióloga e comunidade indígena rende prêmio internacional

  • 08/05/2024
(Foto: Reprodução)
Projeto que realiza a contrução de pontes de dossel de baixo custo para travessia de animais recebeu o Prêmio Whitley, um dos mais importantes do segmento. Construção de ponte dossel que permite travessias seguras para primatas da Amazônia. Smithsonian National Zoo, Conservation Biology Institute Na última quarta-feira (1°), a bióloga Fernanda Abra esteve em Londres para receber o Prêmio Whitley, considerado o Oscar da Conservação da Natureza. Há anos, a pesquisadora dedica esforços para reduzir efeitos negativos da construção de rodovias para os animais silvestres. O trabalho em questão, que resultou na premiação começou em 2021 e consistiu na construção de pontes de dossel - estruturas feitas de postes de concreto, cabos de aço, cordas, redes de nylon e ferragens - para permitir a travessia segura de primatas e outros animais arborícolas da Amazônia. Desde a abertura da Rodovia Manaus–Boa Vista (BR-174), que corta a floresta amazônica, a comunidade indígena Waimiri-Atroari tem enfrentado diferentes impactos, como a mortalidade de animais silvestres que são atropelados na região. Atualmente, a comunidade indígena já registrou 17.00 atropelamentos na BR-174. Smithsonian National Zoo, Conservation Biology Institute Uma dessas espécies é o sauim-de-mãos-douradas (Saguinus midas), primata que carrega um grande significado na cultura dos Waimiri-Atroari. Para se ter uma ideia, os indígenas o consideram sagrado e também parte da comunidade. "Eles acreditam que exista o Waimiri-Atroari pessoa e o Waimiri-Atroari pessoa em forma de macaco. Tem uma história que Deus, que é Mauá para eles, transformou uma criança Waimiri-Atroari em macaco, porque a criança era muito travessa e tocou o sol, sendo que era proibido tocar o sol", conta Fernanda Abra, bióloga e pós-doutora no Centro de Conservação do Smithsonian Institution nos EUA. "Mauá transformou a criança em um macaco preto com a mão dourada pra lembrar a todos que ela tinha feito algo proibido, por isso também a cor dourada das mãos", acrescenta ela. O sauim-de-mãos-douradas não é uma espécie ameaçada de extinção, sendo até abundante na região, mas por ser uma das únicas espécies que ainda desce no chão para atravessar a rodovia, enquanto as outras fazem a travessia por copas das árvores, acaba sendo a espécie mais sujeita a atropelamentos. Cerca de 200 pessoas estiveram envolvidas na realização do projeto, que começou em 2021. Smithsonian National Zoo, Conservation Biology Institute Foi por essa dificuldade de travessia e pelo número elevado de atropelamentos de animais que Fernanda decidiu colocar em prática o Projeto Reconecta. "Desde 1997, o povo Waimiri-Atroari vem coletando dados de atropelamento de animais silvestres ao longo dos 125 km da BR-174, que corta seu território. Esta base de dados é, provavelmente, o maior projeto de ciência cidadã envolvendo comunidades indígenas do planeta. Eles já registraram mais de 17 mil atropelamentos. Eu sabia que eles queriam instalar essa ponte de dossel", relata. Fernanda relata que, já tendo a intenção de criar um projeto naquela região e sabendo do interesse da comunidade em construir a ponte de dossel, ela e o grupo decidiram tirar a ideia do papel. “Há mais de 30 anos vendo atropelamentos de fauna nessa rodovia, os Waimiri-Atroari começaram a manter a copa das árvores ligadas sobre a rodovia, ou seja, criaram uma ponte de dossel natural. Isso é único no mundo inteiro”, comenta a bióloga. Mesmo sendo excelentes alternativas para os macacos atravessarem a rodovia, não seria possível fazer com que a copa das árvores se tocasse por todo o trecho de 125 km da rodovia. Sendo assim, a melhor forma de resolver o problema foi construindo pontes artificiais. Animal atravessando a Rodovia BR-174. Smithsonian National Zoo, Conservation Biology Institute O projeto Segundo a pesquisadora, a solução desenvolvida através do Projeto Reconecta é barata e pode facilmente ser replicada em outros lugares, já que o material para a estrutura custa entre 10 e 12 mil reais em média. É possível doar dinheiro para o projeto por meio do site dele. Ao todo, participam do projeto cerca de 150 pessoas da comunidade indígena Waimiri-Atroari e mais 50 parceiros de instituições, sendo: DNIT (Departamento Nacional de Infraestrutura de Transportes), Ibama, UFAM e IPÊ (Instituto de Pesquisas Ecológicas). “No começo do projeto, o contato com a comunidade indígena foi bastante difícil, pois são um povo extremamente tradicional e fechado, pouco afetuosos com pessoas de fora. Quase desisti de fazer o projeto porque eles não falavam comigo, a comunicação era muito restrita, mas fui insistente e tive que aprender muitas palavras indígenas da língua deles, que é o kinja iara”, diz Fernanda. “Aos poucos fui me integrando na cultura deles, entendendo o jeito deles. E eles ajudaram em tudo no projeto. Eles são o coração do projeto, eles são a razão do projeto, eles são a honra do projeto, a cereja do bolo de tudo”, completa. Ponte dossel sendo instalada. Smithsonian National Zoo, Conservation Biology Institute O povo Waimiri-Atroari mostrou à equipe onde as pontes de dossel deveriam ser instaladas e as orientações foram seguidas à risca. Também colaboraram com o design da estrutura explicando como as diferentes espécies de macaco de locomovem, de forma que este atendesse às necessidades de cada uma delas. “Eu acho que foi uma das maiores alegrias da minha vida ter tido o apoio dessa comunidade indígena durante todo o projeto, eles são os verdadeiros guardiões da floresta amazônica”. Relação com a comunidade indígena Desde a abertura da BR-174, os indígenas enfrentam os impactos diariamente, incluindo a mortalidade de animais silvestres causada pela estrada e o efeito barreira para diversas espécies que evitam atravessar as rodovias. Povo Waimiri-Atroari Smithsonian National Zoo, Conservation Biology Institute “A Comunidade Waimiri-Atroari com apoio da UFAM (Universidade Federal do Amazonas), criou um método para conectar a copa das árvores em alguns pontos da BR-174. Essas passagens naturais formam túneis florestados que auxiliam na travessia de animais arborícolas”, explica a bióloga. Após a construção da rodovia, os militares envolvidos na obra reconheceram os danos causados à comunidade e à floresta e, dessa forma, instalaram correntes nas entradas do território Waimiri-Atroari, permitindo que eles pudessem restringir o tráfego noturno na rodovia. A medida adotada possibilitou maior segurança para o povo e a diminuição dos atropelamentos durante esse período. O Território Indígena Waimiri-Atroari é considerado um dos mais conservados na Amazônia, sendo fundamental para proteção dos recursos naturais e da cultura que reside nele. A comunidade Waimiri-Atroari possui uma relação muito forte com a natureza. Smithsonian National Zoo, Conservation Biology Institute Segundo a bióloga, a etnia sofreu um dos maiores genocídios do Brasil, por conta da abertura da BR-174. Para Fernanda, o maior objetivo do projeto é fazer com que o governo federal implemente essas soluções em outras rodovias, estabelecendo uma cultura mais sustentável para a fauna nacional. “A gente reduziria o atropelamento de animais, aumentaria a segurança humana, então é uma situação ganha-ganha”, pontua. O prêmio Com o dinheiro do Prêmio Whitley, o Projeto Reconecta deverá ser expandido. Segundo Fernanda Abra, é uma oportunidade para difundir o trabalho realizado no Brasil e é também um reconhecimento importante para as pessoas envolvidas. “É um trabalho que quem faz é porque realmente ama muito a natureza, porque é difícil e muitas vezes não reconhecido. Um trabalho solitário, com poucos recursos”, afirma. “Eu acredito fortemente que adaptar o viário brasileiro para uma malha que seja mais sustentável para a fauna silvestre é uma ferramenta muito poderosa para combater a crise da biodiversidade”, finaliza. Fernanda recebeu o Prêmio Whitley 2024 da princesa Anne Smithsonian´s National Zoo and Conservation Biology Institute VÍDEOS: Destaques Terra da Gente Veja mais conteúdos sobre a natureza no Terra da Gente

FONTE: https://g1.globo.com/sp/campinas-regiao/terra-da-gente/noticia/2024/05/08/passagem-de-fauna-parceria-entre-biologa-e-comunidade-indigena-rende-premio-internacional.ghtml


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